03 May 2010

COM A BOCA CHEIA DE FLORES


The National - High Violet

Desde o final da transcorrida idade em que os álbuns eram objectos físicos comprados em lojas, não deverá ter existido outro disco – considere-se apenas a possível excepção de Contra, dos Vampire Weekend – que, muito antes de ser publicado, tenha desencadeado um tão intenso e universal "buzz" por entre os circuitos (tremendamente) nervosos da Internet e outros lugares afins da mente global. Notícias e contranotícias sobre o alinhamento das canções (que entravam, saíam e reentravam), boataria acerca do título (até razoavelmente tarde, esteve para se chamar Summer Lovin’ Torture Party, acabou por ficar High Violet, supostamente retirado de um obscuro panfleto religioso), concertos-surpresa na diminuta Bell House, de Brooklyn para um público de "select few", aparições no "Late Night With Jimmy Fallon", da NBC, "upload" frenético de "bootlegs" e versões intermédias de considerável parte dos temas, "streaming" a conta-gotas no próprio site da banda, entrevistas-relâmpago dando conta dos avanços e retrocessos... um frenesim que, se pararmos um pouco para pensar, não será exactamente comum em relação a uma banda que existe há já onze anos (sim, isso mesmo, onze anos), que, apesar de criticamente venerada, nenhum dos anteriores quatro registos explodiu verdadeiramente nos relatórios de contas da sua editora (Boxer, o último de 2007 e maior sucesso até agora, ficou-se pelas honrosas 180 000 cópias nos EUA) e que, vendo bem, se situa rigorosamente nos antípodas de tudo o que são os estereótipos do rock’n’roll.



Como, aliás, num extenso artigo acerca dos National, escreveu Nicholas Dawidoff, no New York Times de 19 de Abril, “with the National, it’s never rock’n’roll”. Puríssima verdade. A "job description" da profissão não costuma contemplar vagas para trintões de classe média, descendentes de confortáveis famílias burguesas de Cincinnati, com licenciaturas em Yale e Columbia, gente boémia embora academicamente aplicada e estudiosa de matérias como História Judaica, música, arte e design. Nada que os impeça, porém, de recolher louvores das diversas aristocracias, dos R.E.M. (“A coisa mais espantosa que, desde há muitos anos, ouvi”) a Steve Reich (“São a derradeira encarnação de uma banda clássica de rock’n’roll”) e, para o que mais importa, da influente maçonaria indie que, discreta mas militantemente, lhes foi engrossando a vaga de fundo que, por estes dias, ameaça, finalmente, rebentar.



Nas palavras do baterista Bryan Devendorf, a particular ecologia criativa do grupo – essa singular reunião de dois pares de irmãos (um deles, de gémeos) e do “extra”, Matt Berninger – resume-se à da típica e adorável família disfuncional: “O Matt é o pai. O Scott (irmão de Bryan) é a esposa eternamente sofredora. Eu sou o tio-ovelha negra. E o Aaron e o Bryce são as gémeas que gostam de controlar os pais”. Num plano mais propriamente musical, o “it’s never rock’n’roll” traduz-se no jogo de equilíbrio entre o academismo de Bryce Dessner (o curso de guitarra na Yale School of Music abriu-lhe o apetite para as intimidades estéticas com Steve Reich, Philip Glass e Nico Muhly), o purismo "garage" musicalmente analfabeto de Matt e o produto dos sobredotados gânglios basais do cérebro de Bryan que, muito mais do que se satisfazer com assegurar a estabilidade rítmica do grupo, lhe define e enriquece os traços de identidade que a distinguem da mera rotina-rock funcional.



Até aqui, contudo, nada mais do que contabilidade, deve e haver de dinâmica colectiva, matéria estilística e princípios activos sonoros, a partir dos quais muitos álbuns que não fizeram História se alimentaram. Porque, aos National, depois de Alligator e Boxer, não se exigia menos do que aquilo por que ansiavam as personagens de “Start A War”: “Something, something better than before, we expected something more”. Mesmo que o que tenha ficado para trás, essas duas longas sequências, em ébria "slo-mo", da “uninnocent, elegant fall into the unmagnificent lives of adults”, fossem tudo menos coisa menor.



“Começámos por tentar gravar um disco pop divertido”, contava Berninger, há semanas, “colei até a palavra ‘felicidade’ na parede. Mas rapidamente nos desviámos desse caminho. Vai ser o nosso melhor álbum mas nunca poderá ser descrito como feliz”. A felicidade, é verdade, assenta-lhes mal. E, se, antes, às pálidas silhuetas “pink, young and middle class” a memória dos anos em que teriam sido “ruffians, going wild and bright in the corners of front yards, going in and out of cars” ainda lhes azedava as horas, desta vez – como no Springsteen de The River ou no Nick Cave de The Good Son –, tudo parece desmaterializar-se num simulacro de resignação doméstica (mas os fios que a movem permanecem bem visíveis), uma flatulência vertida em palavras que se cavalgam: “I had a hole in the middle where the lightning went through, I told my friends not to worry”, “Sorrow found me when I was young, sorrow waited, sorrow won”, “Live on coffee and flowers, try not to wonder what the weather will be, I’ve figured out what we’re missing, tell you miserable things after you’re asleep”. Lá fora, caminhando “through the Manhattan valley of the dead”, de headphones nos ouvidos (“venom radio and venom television, I’m afraid of everyone”), “with my kid on my shoulder, I try not to hurt anybody I like, but I don’t have the drugs to sort it out”, a própria ideia de apaziguamento fere: “Lay me on the table, put flowers in my mouth, you can say we invented a summer lovin’ torture party”. Suja e eléctrica, enfática e orquestral, canção a canção, desfila, solene, a banda sonora para a vitória do “Fake Empire”.

(2010)

7 comments:

menina alice said...

Fogo! (p'ra não dizer carago!)

João Lisboa said...

Qué queu fiz???!!!...

menina alice said...

Um belo texto, ora!

Hugo said...

Detesto estes gajos. Não os percebo. Não vos percebo. Isto é assim bom? Escapa-me.

João Lisboa said...

"Não os percebo. Não vos percebo"

Eu, às vezes, também não me percebo. Nada de muito grave.

Lola said...

Com toda a certeza.
Belíssimo texto para um grande conjunto.

Anonymous said...

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