24 January 2010

COISAS POUCAS E BOAS



The Magnetic Fields - Realism

Não tínhamos reparado mas, aparentemente, nos domínios da canção tal como Stephin Merritt a pratica, estava em curso uma trilogia. Mais exactamente, uma "no synth trilogy". Após o trimonumental 69 Love Songs (1999), ter-se-á alojado na cabeça do diminuto génio uma ideia de – com modulações diversas – declinar a antiquíssima pequena forma de "words & music" sem recorrer às maquinetas de teclados portáteis, das quais, tanto nos Magnetic Fields como nos Gothic Archies, Future Bible Heroes ou The 6ths, ele fizera generoso uso. Tudo terá começado, sorrateiramente, com i (2004), um belo tomo do cânone-Merritt que, não anunciando a coisa como bíblica separação de águas, varria os sintetizadores para baixo do tapete. Distortion, de 2008, passou só como exercício de estilo dedicado a submeter o requintado songwriting à trituradora sonora que os Jesus & Mary Chain haviam convertido ao dogma-pop em Psychocandy. É, agora, com Realism, que ele revela o objectivo último da conspiração estética:



"Pensei em Distortion e Realism como um par de álbuns complementares. Quis que um se chamasse 'True' e, o outro, 'False'. Mas nunca consegui decidir qual seria o verdadeiro e o falso. Ambos têm a ver com a noção de verdade e falsidade no que respeita à gravação e à música. Não particularmente no que se relaciona com os textos mas com a produção. Distortion foi tão longe quanto era possível na direcção de um noise-pop estilizado, o que é, possivelmente, o limite da estilização do rock, antes de se transformar em outra coisa qualquer. Realism é folk, apesar de nunca ter tido muita paciência para o folk. Não aturo o som de uma guitarra acústica mais do que três minutos de cada vez”. Os modelos foram, então, o "variety folk", mais ou menos psicadélico, de Judy Collins e Judy Henske, "sem nenhuma ideia do que virá a seguir, como eu gosto numa programação de rádio. Sem grandes proclamações. Tenho dificuldade em ouvir Beethoven. Prefiro coisas pequenas, subtis, nada de épicos e obras-primas". Realism, então, é isso mesmo: ínfimos momentos de magnífica maldade ("I want you crawling back to me, down on your knees, like an appendectomy sans anaesthesia" ou "I could say I want you, that would be a bore, maybe in a font you've never seen before") colados a miniaturas esqueleticamente acústicas de ukulele, guitarra harpa, tuba, dulcimers, piano de brinquedo, banjo, bandolim, cordas de câmara e outras falsas ingenuidades avulsas, de salão de baile pobre e, educada e perversamente, à beira do abimo. Coisas poucas e boas.

(2010)

2 comments:

Lola said...

Ele é fantástico.

Já sei o que vou escutar esta semana.

João Lisboa said...

Boa!