26 September 2012

FANTASIAS NA PERIFERIA


David Byrne & St. Vincent - Love This Giant



Jherek Bischoff - Composed

“Que tipo de condições deve verificar-se para que ocorra uma grande transformação musical ou reavaliação cultural como a que aconteceu em Nova Iorque no final dos anos 70, início de 80? Um aspecto importante é que a economia deva estar de gatas. Estamos quase lá, portanto, essa parte está mais ou menos resolvida. O outro aspecto é um pouco mais difícil: recuando um pouco na memória, recordo-me da sensação de, nessa altura, praticamente nenhuma da música pop comercial ter alguma relevância para mim ou para os meus amigos. Actualmente, continua a haver muitos nomes grandes que não me interessam a encher estádios mas, igualmente, bastantes outros músicos e bandas excitantes – como os Dirty Projectors, St. Vincent ou tUnE yArDs – que se fazem ouvir e sobrevivem bem melhor do que poderiam fazer há trinta anos”, dizia, no último número da “Uncut”, David Byrne, com Annie Clark/St. Vincent ao seu lado. E, justificando o título (“The Triumph of Art Rock”) do post de 5 de Maio de 2009, no seu blog, aquando da sua participação no álbum/concerto Dark Was The Night, acrescentou: “A ambição desta geração de músicos não é a de serem estrelas, destruírem aparelhos de televisão e andarem de limusina. O que os motiva (e a mim) é criar óptima música”



Quando o primeiro álbum dos Talking Heads foi publicado (1977) Annie Clark (28.09.82) ainda não tinha nascido. Mas, não apenas David Byrne tem toda a razão como se pode afirmar ainda que, de um modo muito particular, ele e St. Vincent são a cara e a coroa daquela moeda estética que se sente especialmente à vontade a injectar fantasias experimentais na periferia da pop e a virar do avesso formas e conceitos tradicionais sem, por isso, perder o pé naquele terreno que não tem horror à aprovação pública. E, desde que, nesse concerto de Dark Was The Night, se conheceram e, por extensão, se voltaram a encontrar durante a apresentação de Björk com os Dirty Projectors para uma iniciativa da Housing Works (uma organização civil de luta contra a Sida) onde foram convidados a colaborar também, o conceito de Love This Giant começou a emergir. Como na sua participação numa das conferências TED (“How architecture helped music evolve”) Byrne explicou – e desenvolve, agora, no recém publicado livro How Music Works –, o contexto físico decidiu de boa parte das opções: na livraria onde o duo actuaria, o espaço não abundava pelo que, por sugestão de St. Vincent, apenas eles os dois e uma secção de sopros deveriam chegar bem para as encomendas. Assim, o conceito “Beauty and the Beast” – mas ao contrário:  David seria a "Beauty" de plástico e Annie a "Beast" feroz –, fundido com a inspiração em Walt Whitman a quem o álbum tomou o título de empréstimo (‘I Should Watch TV’, em que Byrne, em modo antropológico, canta “I used to think I should watch TV, I used to think it was good for me, wanted to know what folks are thinking, to understand the land I live in”, está repleta de citações do poema "Song Of Myself"), num período de três anos e muita troca de emails com ficheiros sonoros, assentou estacas e cresceu.



Se o método adoptado foi o de “pensar a música como um enigma cuja forma teríamos de decifrar no processo de construção”, o resultado, como só acontece nos melhores casos, é algo que nem um nem outra, sozinhos, poderiam ter realizado. Lugar de viagem (“the song is a gift, a song is a road, a road is a face, a face is a time and a time is a place“) entre géneros, em vários sentidos, tanto passa pelos mesmos pontos por onde Byrne e a Dirty Dozen Brass Band caminharam em Music For The Knee Plays (1985) como se socorre de "hoquetus" medievais enquanto motivo decorativo de ansiedades (“my heart beating, still the perilous night, the bombs burtsting air but my hair is alright”, "The Forest Awakes"), serpenteia entre jazz, funk e vocabulário clássico ("I Am An Ape", "Outside Of Space And Time" ou "Ice Age") e, com inexcedíveis elegância e impertinência e a ocasional colaboração dos Dap Kings e Antibalas, coloca-nos um espelho à frente (“I am an ape, I stand and wait, a masterpiece, a hairy beast”, “I am a shaky ladder, intergalactic matter outside of space and time”) e, sem aviso, puxa-nos o tapete debaixo dos pés (“Tanks outside the bedroom window, we’ll be fine with the curtains closed”).



Composed, de Jherek Bischoff, é outra história bem sucedida de colaborações (também com a participação de Byrne), mas, aqui, de modo artesanal: esboçadas as canções em ukulele, Bischoff deslocou-se a casa de todos os instrumentistas que escutamos para que violinos, violoncelos et alia gravassem as respectivas partes tantas vezes quantas as necessárias até que, no final, soassem como uma orquestra. Repetição do processo para com as vozes (Carla Bozulich, Caetano Veloso, Mirah Zeitlyn, Dawn McCarthy, Byrne...) e palmas para esta singular variação contemporânea sobre o modelo Song Cycle, de Van Dyke Parks, em registo Phil Spector-meets-Danny Elfman.

2 comments:

Anonymous said...

"Quando o primeiro álbum dos Talking Heads foi publicado (1977) Annie Clark (28.09.82) ainda não tinha nascido"

Esperemos que amanhã o acontecimento seja condignamente celebrado no PdC :-D
Nuno Gonçalves

João Lisboa said...

Obviamente.